







Quando convidadas a contar suas histórias, as pessoas costumam recorrer a marcos que as ajudem a lembrar de certos casos, de certos períodos. O casamento, oficializado ou não, parece ser um dos mais frequentes “guias” da memória. Por muito tempo, a festa organizada para celebrá-lo era um dos raros eventos da vida a ganhar registro em fotografia; era, assim, um dos poucos momentos do passado a poder ser “olhado” e “re-olhado”, quantas vezes desse saudade. Quase todo mundo já folheou, alguma vez, um desses álbuns de casamento antigos, de pais ou avós, responsáveis por moldar e transmitir muitas recordações de família.
Ao falarem de suas vidas para o Museu da Pessoa, Renato, Luiz Carlos, Roberto, Antonia, Manuel, Dilson, Aparecido e Victor levaram para a entrevista lembranças não só guardadas na memória, como também congeladas e ilustradas em papel fotográfico. Entre essas imagens, havia cenas de infância, de família e de casamento; destas últimas, todas tinham outro algo em comum: a recorrente pose de noivos sorridentes, junto ao enfeitado bolo da cerimônia. Separadas do acervo do museu, essas fotos de noivos e bolos contam, sozinhas, uma história que, para além da subjetividade das festas que registraram, em anos e lugares diversos, revelam a coletividade dos gostos, dos rituais e das modas culinárias que caracterizaram suas épocas.
Nessa breve linha do tempo que montamos acima, é possível acompanhar o ir e vir da estética dos bolos e, indo mais a fundo, do próprio pensamento a respeito do casamento. Se, nos anos 1950, os bolos montados e ricamente decorados podiam representar o orgulho do casal que seguia mais do que uma tradição, uma obrigação cobrada pela sociedade, nos anos 1970, a simplicidade da camada única, sem tantos adereços, talvez aludisse ao contrário.
Em um momento pós-1968, em que a liberdade das ditaduras (inclusive nas relações entre homens e mulheres) era buscada, o casamento havia se tornado “careta”. Casar deixava de ser dever; “juntar” se tornava possível e aceito – ou, ao menos, se lutava para isso. Assim como o casório, o bolo tinha de ter menos fachada, mais sabor. Chega a ser curioso que, na década de 1980, ele tenha voltado à pompa de vinte, trinta anos antes, em um movimento crescente que o transformaria nas atuais esculturas de açúcar e pasta americana. Na mesma toada, o casamento deixaria de ser apenas uma celebração; para muitos, viraria espetáculo.
Apesar dessas mudanças ao longo do tempo, as fotos de noivos e bolos mostram a permanência de símbolos fortes, resistentes a séculos: o branco alusivo da antiquada ideia de “pureza” da noiva; o corte de mãos dadas na mesma faca, com o desejo de futura cumplicidade; a ostentação de enfeites e glacê para fazer bonito entre os convidados presentes e os futuros, debruçados no indestrutível álbum de casamento…
Veja essas e outras fotos também na coleção “Bolos de Noiva”, no Museu da Pessoa. E leia mais sobre a história dos bolos de casamento:
- Bolos de noiva: com frutas secas e virgindade
- O anel de Eudoxinha (e o bolo de noiva com surpresas)
- Chuva no casamento dá sorte ou azar?
***
Outras coleções do Lembraria para o Museu da Pessoa:
- Fogão de quilombo: memória e realidade.
- Comida de avô: no lombo do burro, no meio da tropa.
- O arroz e o feijão: histórias de um encontro culinário.
- Açúcar de aniversário: sem docinhos, não tem festa.
- O verso da comida: histórias de fome.
- Cozinha imigrante: receitas judaicas em trânsito.
- Memórias de supermercado: a loja que revolucionou a cozinha.
- Saberes (e sabores) guardados: as receitas de uma mestre griô.
- Comer e beber a cidade: os estabelecimentos que lembram São Paulo.
- Sabores de infância: histórias de comida que lembram os tempos de criança.
Parceria:
2 comentários Adicione o seu