A mãe, de família parte carioca, parte alagoana, sempre soube mais de cuscuz e de feijão do que da culinária que pautava, na origem, o gosto de seu marido, um filho de italianos. Aos domingos, porém, ela se esmerava em agradá-lo à mesa justamente com frango assado, maionese e um importante nhoque de batatas cujo ponto sua filha Adriana ficava incumbida de verificar. “Esmerar-se naquilo que, diferente para mim [a mãe], é o prazer para o outro [o pai] só pode ser amor”, diz Adriana Galuppo, mineira de Belo Horizonte, nascida em 1964.
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Toda em pedaços a delícia desmanchava em minha boca. Era eu quem ajudava a minha mãe quando na água fervendo ele subia. Também era meu o prazer em definir se estava no ponto, o julgamento sentenciado da aprovação ou do apelo por mais tempo em banho.
Por parte da mamãe eram todos cariocas e alagoanos, dominavam o cuscuz e o feijão, mas o dono do gosto era mesmo papai, filho de italianos e a ele era oferecido o almoço de domingo.
Ah, o almoço! Frango assado, maionese de cenoura, vagem e batata, creme de ovo batido com fio de óleo de soja, pouquinho de vinagre ou limão, pedacinhos de cebola, pimenta do reino e sal, delícia que acompanhava o arroz branco soltinho e o prato principal, o preferido do papai, nhoque de batatas.
As vezes em que no almoço de domingo o nhoque era o evento, sempre trazia junto a história de minha mãe que quando criança na casa de sua madrinha recusou a tal comida alegando não gostar de batatas. A madrinha por vez retirou da mesa o prato vazio destinado à mamãe e colocou a travessa de nhoque a sua frente, fazendo de mamãe refém da sua própria verdade.
Desses almoços acolhi a humanidade de mamãe por papai ao preparar o melhor nhoque do mundo. Esmerar-se naquilo que diferente para mim é o prazer para o outro só pode ser amor.
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Este depoimento deu origem a um verbete em O dicionário das comidas impossíveis, que surge das respostas ao questionário Fatias de memória.
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