A comida como forma de ler o mundo e as pessoas é, junto com a memória e o gosto, parte fundamental do combustível que faz girar a engrenagem do Lembraria e de outros trabalhos que nossa brava equipe de duas faz todos os dias. Por isso a ideia de montar uma lista de livros que são, de alguma forma, guarnição das histórias que contamos. E guarnição é principal, como propõe um dos livros lembrados aqui.
Outras coisas a saber:
- Esta lista não é nada além de uma relação (quase) espontânea do que não junta poeira nas prateleiras. Não esgota o assunto (nem pretende). Se você procura os melhores livros do ano, da vida, do mundo e do universo, não é aqui. O desejo é compartilhar algumas das nossas referências, livros que gostamos e que usamos faz tempo ou que vamos descobrindo destampando panelas por aí, na serendipidade da vida.
- Esta lista está em construção permanente. Tanto que, como quem muda para uma nova casa, ainda não desencaixotamos tudo. Não estamos, por exemplo, lhe dando o que ela merece em termos de boas fotos, textos em tamanhos mais ou menos parecidos e mastigáveis. Enfim, a estante também será melhorada com o tempo. Sempre ele. O tempo. Acompanhe e faça sugestões, por favor.
LIVROS DE HISTÓRIA
A Fisiologia do Gosto, Brillat-Savarin: considerado a certidão de nascimento da gastronomia; “grande aventura do desejo”, na opinião de Roland Barthes. Crônica da vida à mesa, aforismos, anedotas, ideias e reflexões filosóficas. Foi publicado originalmente em 1825.
Pense no Garfo, B. Wilson: nesse livro, a jornalista de culinária Bee Wilson, que é inglesa, perfilou a história da cozinha e de como comemos percorrendo a trajetória de objetos que usamos o tempo todo, como o garfo, mas não paramos muito para pensar neles. Como eram, como se transformaram. Bem, bem interessante.
Continua com: Cozinheiro Nacional (autor desconhecido); História da Alimentação (org. Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari); Histórias da mesa (Massimo Montanari); História da Alimentação no Brasil (Câmara Cascudo); Açúcar (Gilberto Freyre); Seis Mil Anos de Pão (Heinrich Eduard Jacop); etc.
LIVROS DE ALIMENTAÇÃO
Michael Pollan: é preciso ler o norte-americano Michal Pollan mesmo se desejar discordar. Para que comer seja um gesto consciente e inteligente, há que se querer compreender a comida. Pollan é o autor de sete livros, entre eles o importante e atual Cozinhar, uma História Natural da Transformação. É o livro que deu origem à série Cooked, no Netflix. Penso que Regras da Comida – são 64 e uma delas é “Não coma nada que sua avó não reconheceria como comida” – é um bom presente para quem adora livros de dieta que prometem milagres. Regras não promete nada, mas põe para pensar. Realista, honesto, gostoso de ler. Outros: O Dilema do Onívoro, Em Defesa da Comida.
O Terceiro Prato (Dan Barber): assim como Pollan, nesse livro o cozinheiro norte-americano Dan Barber põe borboletas em nossos estômagos e deixa inquietos nossos sentimentos em relação aos processos produtivos e ao futuro da comida. Tem futuro? Qual seria? O livro é resultado de uma espécie de expedição feita pelo autor para encontrar o foie gras “ético”, um modo não predatório de pescar atum e outras histórias sobre formas possíveis e diferentes de produzir sem destruir.
Continua com: Comida & Cozinha (Harold McGee); Extravirgindade (Tom Mueller), Comida e Liberdade (Carlo Petrini); etc.
LIVROS DE “COMIDA LITERÁRIA”
The Art of Eating, M.F.K. Fisher: é uma coletânea de sete livros da escritora norte-americana M.F.K. Fisher (1908-1992). Crônicas, pensamentos e receitas. Fisher é interessante na biografia e no modo como se expressa, contando a vida como via e sentia, transformando o ordinário em extraordinário (essa afirmação sobre ela é de Julia Child) e falando de comida e escrevendo e vivendo com autonomia pouco comum em sua época. Uma nota de canapé aqui.
A Cozinha das Escritoras (Stefania Aphel Barzini): a escritora e jornalista italiana Stefania Barzini conta como era a relação que algumas autoras, a exemplo de Elsa Morante, Virginia Wolf, Simone de Beauvoir, Karen Blixen (A Festa de Babete), Agatha Christie e Gertrude Stein, entre outras, cultivavam com a culinária e de que forma comida e produção literária se refletiam.
Continua com: O Frango Ensopado da Minha Mãe (e outros livros de Nina Horta); Banquetes Intermináveis (vários autores); À Mesa com Proust, (vários autores); Alhos e Safiras e Conforte-me com Maçãs (Ruth Reichl); etc.
LIVROS DE RECEITA
Rita Lobo: mesmo se ninguém for reproduzir o passo a passo ou encontrar o ingrediente certo, é possível extrair boas ideias e ficar com bastante fome vendo os livros muito bem produzidos de Nigella Lawson, Jamie Oliver e de outras pessoas muito conhecidas no Brasil e no mundo e que cozinham na televisão e nos hipnotizam com seus gestos, carismas, talentos e o que não sei. Tenho a impressão de que são mais legais na TV do que por escrito. Já o conteúdo compartilhado pela cozinheira e apresentadora Rita Lobo, porém, é o que é em qualquer canal: entrega o que diz na televisão, no Youtube, no site, nas páginas impressas. E nos faz realmente olhar para dentro da geladeira e do armário e pensar – não só em o que fazer com aquilo, mas se aquilo de fato deveria estar ali –, e ainda há muitas dicas que salvam quem já não tem mais dedos para contar quantas vezes tentou acertar o ponto de alguma coisa . São simples, práticos, cheios de utilidade e transmitem confiança. As receitas têm quase tudo para funcionar, como prometido. O fator que escapa do controle é o cozinheiro. Eu e você, no caso. (Panelinha, Receitas que Funcionam; Cozinha Prática; O que Tem na Geladeira?).
Ottolenghi Yotam: Comida de Verdade (Ottolenghi Yotam) e Jerusalém – Comidas e Sabores (Ottolenghi Yotam, judeu, e Tamimi Sami, palestino) são os dois livros de Ottolenghi publicados no Brasil até o momento. O mais recente, Comida de Verdade, tem sido um presente frequente meu para pessoas queridas que nos últimos tempos deixaram de comer carne parcial ou totalmente. O motivo é que em suas receitas o autor extrai de tal forma a exuberância dos ingredientes vegetais (veja a foto da salada de figo) que dá vontade de comer tudo. Tudo. Mesmo se não houver presunto. Um particular: lembro quando peguei Jerusalém nas mãos pela primeira vez. Tinha marcado um café com uma amiga na livraria e ainda estava abalada quando nos encontramos. Era o livro de receitas mais bonito que eu já tinha visto. E é ver para crer na beleza. Ottolenghi também, como Rita, é cozinheiro e apresentador.
1 comentário Adicione o seu