Mário Gomes D’Almeida*, nascido em São Paulo em 1925, trabalhava como vendedor na padaria Regência, no Jardim Paulistano, quando uma cliente americana, Mary, lhe contou a novidade que mudaria sua vida. Naquele início de anos 1950, um conhecido dela estava construindo na cidade o primeiro exemplar de um estabelecimento que, nos Estados Unidos, já havia se integrado ao american way of life. Chamava-se supermercado, e estava precisando de bons funcionários.
Como boa parte dos brasileiros, Mário nunca tinha ouvido falar naquele nome. Intrigado, acabou seguindo o conselho da freguesa e procurando o tal conhecido dela, Raul Pinto Borges, que então comandava a Loja Araújo, um açougue que, em vez de atender no balcão, como de costume, embalava os cortes de carne e os deixava à mostra para que os próprios clientes escolhessem aquele que queriam levar para casa. Em pouco tempo, Mário estava empregado – e como gerente – naquele que seria o primeiro (ou segundo) supermercado de São Paulo e do país: o SírvaSe.

Inaugurada em setembro de 1953, na Rua da Consolação, essa grande loja diferenciava-se dos tradicionais armazéns e empórios por vender, em um só lugar, todo tipo de alimento e produtos domésticos, incluindo os de limpeza, por meio do mesmo americanizado sistema self-service já implantado na Loja Araújo; o assim chamado autosserviço era a grande atração. Ainda grafado entre aspas nos jornais, o desconhecido “supermercado” vinha sendo divulgado desde o início daquele ano. Em 23 de abril, uma notícia na Folha da Noite anunciava:
“Autênticos ‘supermercados’ funcionarão em São Paulo
‘Destinam-se a resolver os problemas de tempo e dinheiro das donas de casa’, afirma o sr. Raul Pinto Borges, diretor dos Supermercados Sírvase S. A. – Técnicos brasileiros aplicarão aqui os processos americanos de bem servir ao público.”
No texto, o senhor Raul, patrão de Mário, explicava que seu novo comércio consistia em um amplo empório construído segundo rígidas regras de “higiene e asseio”. As donas de casa, segundo ele, encontrariam ali tudo de que precisavam, “poupando, portanto, seu precioso tempo e dinheiro, pois os ‘supermercados’ são concebidos para oferecer preços sempre uniformes”. Para concluir, Raul dizia que a variedade de itens era tanta que…
“Há mesmo alguns supermercados nos Estados Unidos que já incluem produtos farmacêuticos, revistas e jornais, tudo para oferecer a possibilidade de se comprar o máximo num mínimo de tempo. Como é fácil compreender diante de tantas vantagens oferecidas, os supermercados substituem as feiras, armazéns e principalmente os açougues.”
É certo que hoje, 63 anos depois da inauguração do SírvaSe (vendido na década de 1960 ao nascente grupo Pão de Açúcar, que manteve a matriz aberta até hoje, quase na esquina da Consolação com a Alameda Santos), empórios e açougues sobrevivem, até mesmo em pedantes versões gourmet. Os supermercados também se mantêm, é claro. Não foram “o futuro do Brasil”, como a americana Mary um dia sugeriu ao jovem Mário, mas concretizaram transformações drásticas em nossas maneiras de cozinhar e comer – maneiras que hoje, ironicamente, passam por nova revisão.
Continua…
* Mário Gomes D’Almeida deu esse depoimento ao programa Memórias do Comércio, do Museu da Pessoa, em um já distante novembro de 1994.
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