Da coletânea [um amor feliz], traduzida do polonês por Regina Przybycien, para a Companhia das Letras, copiamos abaixo o poema Coação, escrito pela polonesa Wislawa Szymborska. Ela recebeu o prêmio Nobel em literatura de 1996. Esse livro é o segundo da autora publicado pela Companhia.
Comemos a vida alheia para viver.
A falecida costeleta com o finado repolho.
O cardápio é um necrológico.Mesmo as melhores pessoas
precisam morder, digerir algo morto,
para que seus corações sensíveis
não parem de bater.Mesmo os poetas mais líricos.
Mesmo os ascetas mais severos
mastigam e engolem algo
que, afinal, crescia.Acho difícil conciliar isso com os bons deuses.
Talvez credulamente,
talvez ingenuamente
deram à natureza todo o poder sobre o mundo.
E é ela, louca, que nos impõe a fome,
e ali onde há fome,
fim da inocência.À fome logo se juntam os sentidos:
o paladar, o olfato, o tato e a visão,
pois importam quais iguarias
e em quais pratos.Até a audição participa
no que sucede,
pois à mesa não raro rolam conversas alegres.