
Se conhecesse pessoalmente o diretor do revivido Belas Artes, em São Paulo, pediria a ele, a pretexto da “nova” encarnação das salas, para exibir logo, por favor, uma cópia de O Jantar (1988), de Ettore Scola. Um desejo enorme de assistir em tela grande a abertura da canastra em que se vê, na função de uma noite em um restaurante romano, o extraordinário da vida mais, menos ou nada caricata de seus clientes. A culpa por eu querer que o filme nunca acabe é do cliente habitual, o velho professor de literatura (Vittorio Gassman). Seu olhar profundo, enxerido, nos conduz por pequenos-grandes contos, todos iluminados por observações em geral formidáveis, ora eloquentes ora sem dizer palavra.
O professor também tenta desvendar as ansiedades da dona do Arturo al Portico, a charmosa Flora, que, em sapatos novos, vermelhos e de salto alto, conserva o rebolado chique da Fanny Ardant que a interpreta.

“…Sabe, dona Flora, há anos a senhora cobra a mesmíssima coisa de mim, nunca um aumento. Sinto que lhe devo algo que vou dizer agora. Um filósofo ‘amigo meu’ falava que comida e bebida simbolizam a mesma condição humana, que consumir o repasto a uma mesa qualquer de desconhecidos ou de amigos é algo que tem mais a ver com o coração do que com o estômago. (…) A senhora, minha belíssima restauratrice, tem a melhor profissão do mundo e ainda assim está melancólica esta noite. Por que? Seria talvez um desejo novo de felicidade? Tome cuidado, porque quando esse desejo parece ser uma possibilidade logo vem o sofrimento. Começa a infelicidade. Será que me excedi?”
Flora sorri. Sim, o mestre bebeu demais, mas também ela é grata a ele.
“Professor, quem lhe deve algo sou eu. Em geral os homens quando falam a uma mulher têm vergonha de mostrar uma qualidade que julgam feminina, a graça. Alguns, porém, não se envergonham, mas são poucos…”
ele: “Obrigada em nome desses alguns.”
ela: “Obrigada em nome das mulheres.”
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Depois de O Jantar, dá vontade de comer bife à milanesa. E um pedaço de bolo branco.
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